“Falta desordem no mercado para que o ouro se valorize”, diz gestor

Historicamente, o ouro é conhecido por ser um ativo que oferece proteção em momentos de crise e instabilidade econômica. Uma vez que é um dos recursos mais antigos do mercado financeiro, sua escassez faz com que se assemelhe a uma reserva de valor.

Porém, diferentemente de outros momentos em que se recupera quando a inflação se apresenta em patamares altos, os preços do metal amarelo caíram quase 20% em relação ao recente pico de março.

Com o crescimento dos temores em torno das consequências da invasão da Ucrânia pela Rússia, a cotação do ouro disparou no início de março. Porém, de lá para cá, outros acontecimentos que dialogam com as dinâmicas do mercado entraram em jogo.

O que fez o ouro se desvalorizar?

Muitos analistas e economistas utilizam a expressão “efeito Fed” para se referenciar a este cenário. O Fed (Federal Reserve, banco central norte-americano) vem aumentando agressivamente as taxas de juros do país, como uma tentativa de controlar a inflação, que permanece alta.

Na última reunião do comitê de política monetária da entidade, encerrada no dia 21 de setembro, a taxa de juros subiu 75 pontos base, a 5ª alta consecutiva do indicador. A decisão fez com que o dólar americano atingisse uma nova alta recorde em duas décadas.

Além de também influenciar o mercado acionário, a escalada dos juros também afeta a precificação do ouro.

No final da última semana, o ativo fechou em queda. Na Comex, divisão para metais da New York Mercantile Exchange (Nymex), o ouro com entrega prevista para dezembro recuou 1,52%, a US$ 1.655,60, marcando baixa de 1,66% no acumulado semanal. Este foi o nível mais baixo desde abril de 2020.

Segundo Warren Patterson, chefe de estratégia de commodities do ING, o ambiente atual da economia global faz com que os investidores não tenham “apetite para manter o ouro”.

Uma vez que as transações de commodities – incluindo ouro e outros metais preciosos – geralmente ocorrem em dólares, a moeda estando mais fortalecida deixa a compra menos atrativa para investidores estrangeiros, reduzindo a demanda e, consequentemente, levando os preços para baixo.

O “efeito Fed” também cai sobre o ciclo de alta do BC sobre os títulos do governo dos EUA. Com o aperto da política monetária, os rendimentos desses títulos passaram a aumentar: o rendimento do título de referência do Tesouro dos EUA de 10 anos ficou em 3,77%, acima dos cerca de 1,5% no início do ano.

Portanto, esse tipo de investimento se mostra como mais seguro do que o próprio ouro e, principalmente, mais lucrativo, já que os investidores podem obter melhores retornos. Exemplificando este cenário, Patterson pontua: “Se você está aumentando as taxas de juros, o que você prefere segurar, ouro ou algo que vai lhe fornecer rendimento?”.

Segundo Tavi Costa, gestor de portfólio na Crescat Capital, estamos passando por um período que é resultado de um processo de acúmulo de credibilidade por parte dos bancos centrais ao redor do mundo.

“Nos últimos 20/30 anos, os bancos de maior credibilidade foram aqueles que tiveram uma maior acumulação de tesouro nacional americano. Porém, pelo fato dessa dívida não ser algo negativo, não havia essa situação de enxergar o tesouro como um problema”, explicou Tavi.

Expectativas para os próximos anos

O pessimismo e desinteresse pode ser comprovado com a análise do posicionamento de gestores de hedge funds, que chegou ao menor nível dos últimos anos.

Porém, o pessimismo tenderá a se reverter, conforme explicou Edward Moya, analista sênior da Oanda, em relatório.

“O ouro claramente se tornará um investimento de porto seguro à medida que as perspectivas globais se deterioram e que Wall Street acredita que o pico com os rendimentos do Tesouro está se aproximando”.

Tavi Costa relembra que na década de 70, o mercado viu a taxa de juros, principalmente a de 10 anos, subir, juntamente com a flexibilidade do Fed. E, mesmo assim, o ouro se valorizou.

“Hoje isso é algo muito difícil de imaginarmos sendo normal dentro do mercado, mas acho que isso irá acontecer. Nos anos 70, havia uma noção maior de que para se criar valor no balanço do banco central, a acumulação de ouro ao invés de ativos no mercado de renda fixa, principalmente o tesouro nacional americano, como algo natural, então acho que estamos em um período muito parecido”.

É por esses motivos que a taxa de juros real acompanhou o movimento do ouro. “Na Crescat, temos uma visão de que nos próximos 5 a 10 anos teremos esse fluxo por motivos de oferta e demanda criados por bancos centrais, por necessidade de melhorar seus ativos financeiros dentro desses balanços, e essa melhora que causa a demanda que vem do ouro”.

Na última terça-feira (27), os contratos futuros do ouro fecharam em alta pela primeira vez após três sessões seguidas em terreno negativo. Os preços para dezembro na Bolsa de Mercadorias de Nova York terminaram em alta de 0,17%, a US$ 1.636,20 por onça-troy.

“A precificação positiva do ouro é um salto temporário, já que a pressão de venda faz uma pausa. O ouro não deve ter seu desempenho totalmente afetado até que Wall Street sinta que tem um controle firme sobre como as taxas vão e, no momento, parece que as taxas precisarão ficar rapidamente acima dos níveis atuais do CPI”, disse Moya.

O índice DXY, que mede o comportamento do dólar frente a uma cesta composta por seis moedas de mercados desenvolvidos, operava em valorização de 0,17%, a 114,297 pontos, às 15h10.

No mesmo horário, o rendimento da T-note de dez anos operava em alta, a 3,974%, de 3,919%. Já o yield do papel de dois anos do Tesouro americano avançava de 4,303% para 4,316%.

Tavi considera que o que ajudará muito o comportamento do metal é o spread entre juros de renda corporativa e renda do tesouro nacional americano, que tende a subir de forma acelerada em períodos com problemas econômicos significativos. Porém, o mercado ainda não viu esse efeito ocorrer.

“Vamos provavelmente entrar em uma forte recessão, na minha opinião. Junto com isso, aí sim vamos ver os bancos centrais ao redor do mundo sendo forçados a terem uma repressão financeira. Temos o endividamento, o problema de valorações e o problema da inflação, não deixando o BC a longo prazo, de forma sustentável, subir a taxa de juros. Então, alguma hora isso volta para o ouro.”, ressaltou o gestor.

O que Tavi destaca é que, para que o preço do ouro comece a subir, falta uma “desordem” maior por parte do mercado. “A gente vai quebrar essa correlação de mercado e ouro, porque assim que o mercado começar a perceber que quanto mais o mercado, principalmente acionário e até corporativo, cai, mais a chance do BC tomar uma decisão contraria ao que todo mundo acredita, levando ao oposto do aperto monetário que estamos vendo, e isso faria com que o ouro subisse”.

No que diz respeito à ordem prática, esse movimento de desordem pode ser exemplificado no comportamento das próprias mineradoras, que terão seus preços modificados a partir de um efeito dominó.

“A partir do momento que a mineradoras começarem a subir quando o mercado cai, dara para notar que o mercado está iniciando a precificação de que uma queda brusca do mercado causa uma mudança brusca dos BCs, que causa uma alteração no preço do ouro, que daí gera uma mudança no preço das mineradoras.”, finaliza Tavi Costa.

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